segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Capítulo VI - Abnegação Indutiva

Fazia uma semana que Paula havia ganhado alta do hospital. A garota, ainda muito amargurada, foi até casa de seu falecido namorado buscar suas coisas e sua moto. Diego havia sido enterrado ao lado de seus familiares em um túmulo conjunto no cemitério São João Batista. Ela ainda não fora o visitar. Em verdade, Paula não se lembrava por completo do que acontecera na noite do acidente. Suas ultimas lembranças era dela e Diego saindo em alta velocidade do Parque do Mirante, depois disso, não se lembrava de absolutamente mais nada.
A jovem tinha uma sacola com os pertences de Diego, dentre eles estavam sua carteira, celular e dois molhos de chaves, um da serralheria e outro da casa.
Paula respira profundamente como de isso lhe desse mais forças, mas não era verdade. A sórdida realidade destruía o intimo de seu ser. A dor de perder o amor de sua vida era avassaladora. Paula se sentia atordoada, mantinha-se no anseio de um dia despertar de toda aquela tormenta, mas era inútil alimentar esse sentimento. Um momento de tamanho infortúnio que não poderia ser descrito de outro modo se não por uma única palavra: “dor”.
A moça pega o molho de chaves e abre um pequeno portal lateral ao portal que dava acesso direto ao interior da casa de Diego. Ela entrou no quarto do rapaz. Ao mesmo instante que se aproximava dos móveis do aposento, revivia seus últimos momentos com o namorado naquele local. Não era romântico nem amoroso. Não haviam bons sentimentos impregnados em seus flashs de lembranças. Era medo, aflição, angustia... desespero. Paula lembrou por instantes de Diego caído no chão, fitando o nada com olhar temeroso.
Paula chorou.
Chorou como uma mãe que perde o filho em meio a desgraça da guerra civil. Se sentia impotente perante tudo aquilo. Não sabia se acreditar nos devaneios de Diego era a melhor solução, mas algo lá no fundo lhe falava para dar um voto de confiança ao rapaz.

***

Diego já estava se acostumando com a realidade de desencarnado. Estava reaprendendo a viver, porém agora em uma outra condição física. Ele aprendera a não conversar com os pacientes do hospital. Isso era perigoso demais. Por diversas vezes visitou Paula em seu leito até o dia em que ela recebeu alta. Depois, Diego aprendeu a sair do hospital, mas para isso ele sempre contava com alguém vivo. Era como se ele agregasse suas energias às dele, e o encarnado lhe servia de uma espécie de veículo para se locomover no mundo dos vivos. Sebastião, o homem que o ajudara até o momento de seu ultimo encontro com Manuel desapareceu, deixando Diego em prantos no chão. Desde então o rapaz tem aprendido tudo sozinho no mundo dos mortos. Não existia nenhuma luz branca. Ninguém havia vindo em seu encalço explicar o porquê disso ou daquilo.
Diego aprendeu que podia ver Paula. Bastasse estar por perto dela e a dimensão do mundo dos vivos se fazia ao seu redor. Vez ou outra ele a tocava, aproximava seu rosto da cabeça dela a fim de sentir seu perfume, mas ele percebera que com sua proximidade Paula se entristecia ainda mais. Diego não vira mais Manuel desde aquele dia no hospital. Ele receava um novo encontro com o velho diabólico. O que será que ele quis dizer com: “Você será meu canal”? –, pensava ele.
Ele estava com Paula. Diego sabia que de certa forma podia interferir nas ações e sentimentos da garota. Eles estavam em sua casa e a fez seguir até seu quarto. Diego conversava com sua amada, relatava seus últimos momentos no aposento; sua inconformidade com os fatos; seu desespero de estar diante de Manuel. Diego se conteve quando percebeu que Paula estava muito transtornada já com o relato do namorado. Ela não podia ouvi-lo, mas sentia toda a angustia de Diego. Ele se aproximou dela e acariciou seu rosto com a mão, foi nesse instante que Paula chorou de forma intensa. Diego, percebendo sua influência, afastou-se da garota.
– Foi ele, aquele maldito! Ele é real Paula, eu preciso lhe provar isso.
Paula reagia como se estivesse o escutando. Ela estava sentada na cama dele, se recuperando de todo aquele sentimento de tristeza.
– Paula, a carteira! – Lembrou Diego. – Pegue a carteira, nela tem o telefone do médico da minha mãe, liga pra ele. Minha mãe vai poder ajudar, ela vai acreditar em você!
Paula, como num estalar de idéia, retira a carteira de Diego do saco plástico e começa a vasculhar tudo sem saber o que procurava. Ela encontrou um cartão com o nome Carlos Arruda, psiquiatra.

***

A garota havia ligado para o médico e havia conseguido marcar uma hora para conversar com Clara, mãe de Diego. Pelo que o doutor Arruda disse, a mãe do falecido ainda não sabia da morte do menino e, segundo o médico, não era bom que soubesse por enquanto.
Paula não estava acompanhada de Diego neste momento. Ela havia chegado até um grande pátio onde situavam um certo grupo de pacientes psiquiátricos. No entanto, Clara não estava ali. Paula perguntou a uma enfermeira a respeito da sogra, e logo a moça vestido de branco com cabelos loiros e curtos lhe respondeu: “ela está no quarto, ela nunca sai do quarto”.A jovem foi guiada pela enfermeira até a quarto de Clara. A porta estava aberta. Clara, sentada no chão de frente para a parede, não deu importância para Paula.
– Dona Clara, sou eu, a Paula.
– Eu sei quem é você.
– Que bom que a senho...
– E sei o que veio fazer aqui – interrompeu Clara –, você veio falar do meu menino, mas não se preocupe, o velho já veio me falar disso. – Paula gelou a espinha ao ouvir o que a sogra dissera.
– Dona Clara, o que ele disse a senhora? – Clara começou a rir em tom sarcástico.
– Que ele está morto! Coitado daquele traidor. Me colocou aqui, ele merecia morrer! Agora ele vai acreditar em mim – Clara olhou para Paula pela primeira vez –, agora ele verá o que é sofrer!

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