segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Capítulo VI - Abnegação Indutiva

Fazia uma semana que Paula havia ganhado alta do hospital. A garota, ainda muito amargurada, foi até casa de seu falecido namorado buscar suas coisas e sua moto. Diego havia sido enterrado ao lado de seus familiares em um túmulo conjunto no cemitério São João Batista. Ela ainda não fora o visitar. Em verdade, Paula não se lembrava por completo do que acontecera na noite do acidente. Suas ultimas lembranças era dela e Diego saindo em alta velocidade do Parque do Mirante, depois disso, não se lembrava de absolutamente mais nada.
A jovem tinha uma sacola com os pertences de Diego, dentre eles estavam sua carteira, celular e dois molhos de chaves, um da serralheria e outro da casa.
Paula respira profundamente como de isso lhe desse mais forças, mas não era verdade. A sórdida realidade destruía o intimo de seu ser. A dor de perder o amor de sua vida era avassaladora. Paula se sentia atordoada, mantinha-se no anseio de um dia despertar de toda aquela tormenta, mas era inútil alimentar esse sentimento. Um momento de tamanho infortúnio que não poderia ser descrito de outro modo se não por uma única palavra: “dor”.
A moça pega o molho de chaves e abre um pequeno portal lateral ao portal que dava acesso direto ao interior da casa de Diego. Ela entrou no quarto do rapaz. Ao mesmo instante que se aproximava dos móveis do aposento, revivia seus últimos momentos com o namorado naquele local. Não era romântico nem amoroso. Não haviam bons sentimentos impregnados em seus flashs de lembranças. Era medo, aflição, angustia... desespero. Paula lembrou por instantes de Diego caído no chão, fitando o nada com olhar temeroso.
Paula chorou.
Chorou como uma mãe que perde o filho em meio a desgraça da guerra civil. Se sentia impotente perante tudo aquilo. Não sabia se acreditar nos devaneios de Diego era a melhor solução, mas algo lá no fundo lhe falava para dar um voto de confiança ao rapaz.

***

Diego já estava se acostumando com a realidade de desencarnado. Estava reaprendendo a viver, porém agora em uma outra condição física. Ele aprendera a não conversar com os pacientes do hospital. Isso era perigoso demais. Por diversas vezes visitou Paula em seu leito até o dia em que ela recebeu alta. Depois, Diego aprendeu a sair do hospital, mas para isso ele sempre contava com alguém vivo. Era como se ele agregasse suas energias às dele, e o encarnado lhe servia de uma espécie de veículo para se locomover no mundo dos vivos. Sebastião, o homem que o ajudara até o momento de seu ultimo encontro com Manuel desapareceu, deixando Diego em prantos no chão. Desde então o rapaz tem aprendido tudo sozinho no mundo dos mortos. Não existia nenhuma luz branca. Ninguém havia vindo em seu encalço explicar o porquê disso ou daquilo.
Diego aprendeu que podia ver Paula. Bastasse estar por perto dela e a dimensão do mundo dos vivos se fazia ao seu redor. Vez ou outra ele a tocava, aproximava seu rosto da cabeça dela a fim de sentir seu perfume, mas ele percebera que com sua proximidade Paula se entristecia ainda mais. Diego não vira mais Manuel desde aquele dia no hospital. Ele receava um novo encontro com o velho diabólico. O que será que ele quis dizer com: “Você será meu canal”? –, pensava ele.
Ele estava com Paula. Diego sabia que de certa forma podia interferir nas ações e sentimentos da garota. Eles estavam em sua casa e a fez seguir até seu quarto. Diego conversava com sua amada, relatava seus últimos momentos no aposento; sua inconformidade com os fatos; seu desespero de estar diante de Manuel. Diego se conteve quando percebeu que Paula estava muito transtornada já com o relato do namorado. Ela não podia ouvi-lo, mas sentia toda a angustia de Diego. Ele se aproximou dela e acariciou seu rosto com a mão, foi nesse instante que Paula chorou de forma intensa. Diego, percebendo sua influência, afastou-se da garota.
– Foi ele, aquele maldito! Ele é real Paula, eu preciso lhe provar isso.
Paula reagia como se estivesse o escutando. Ela estava sentada na cama dele, se recuperando de todo aquele sentimento de tristeza.
– Paula, a carteira! – Lembrou Diego. – Pegue a carteira, nela tem o telefone do médico da minha mãe, liga pra ele. Minha mãe vai poder ajudar, ela vai acreditar em você!
Paula, como num estalar de idéia, retira a carteira de Diego do saco plástico e começa a vasculhar tudo sem saber o que procurava. Ela encontrou um cartão com o nome Carlos Arruda, psiquiatra.

***

A garota havia ligado para o médico e havia conseguido marcar uma hora para conversar com Clara, mãe de Diego. Pelo que o doutor Arruda disse, a mãe do falecido ainda não sabia da morte do menino e, segundo o médico, não era bom que soubesse por enquanto.
Paula não estava acompanhada de Diego neste momento. Ela havia chegado até um grande pátio onde situavam um certo grupo de pacientes psiquiátricos. No entanto, Clara não estava ali. Paula perguntou a uma enfermeira a respeito da sogra, e logo a moça vestido de branco com cabelos loiros e curtos lhe respondeu: “ela está no quarto, ela nunca sai do quarto”.A jovem foi guiada pela enfermeira até a quarto de Clara. A porta estava aberta. Clara, sentada no chão de frente para a parede, não deu importância para Paula.
– Dona Clara, sou eu, a Paula.
– Eu sei quem é você.
– Que bom que a senho...
– E sei o que veio fazer aqui – interrompeu Clara –, você veio falar do meu menino, mas não se preocupe, o velho já veio me falar disso. – Paula gelou a espinha ao ouvir o que a sogra dissera.
– Dona Clara, o que ele disse a senhora? – Clara começou a rir em tom sarcástico.
– Que ele está morto! Coitado daquele traidor. Me colocou aqui, ele merecia morrer! Agora ele vai acreditar em mim – Clara olhou para Paula pela primeira vez –, agora ele verá o que é sofrer!

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Capítulo V - O Despertar da Agonia

Enjôo. Dores fortes tomaram conta do corpo de Paula. Suas forças eram tão ínfimas que a garota não conseguia esboçar sua dor a não ser por um singelo gemido. Carmem se levantou e foi assistir a filha.
– Filha, é a mamãe! Você está me escutando? Enfermeira, enfermeira! – Gritou a mãe saindo pelo corredor a fora.
Paula balançava a cabeça de um lado para o outro na menção de afastar toda aquela sensação ruim. Carmem voltou acompanhada por um enfermeiro. Ele fez todos os procedimentos de forma calma e controlada.
– Mãe – disse o enfermeiro para dona Carmem –, não se preocupe, essa é uma reação normal. Eu vou contatar o médico agora mesmo.
– Mamãe – chamou Paula –, o que está acontecendo? Isso aqui é um hospital? Cadê o papai? E o Diego?
– Minha filha, calma, tudo vai ser explicado, mas tente não se exaltar.
Paula deu ouvido à mãe e fechou os olhos.

***

Dona Carmem estava do lado de fora do quarto ouvindo as recomendações do Doutor Alexandre.
– Paula saiu de um coma de cinco dias, dona Carmem, ela provavelmente não se lembrara de nada do acidente.
– Não, eu me lembro.
Paula estava de pé no batente da porta. Ela olhava para o chão, com os braços abertos, como se estivesse perdendo o equilíbrio. Paula caiu inconsciente no chão.

***

Toda história tem dois lados. Ninguém nesse mundo toma qualquer atitude sem se achar no direito de tal ato. Mesmo que esse ato seja tomado por um morto.
Diego, de frente para seu maior medo, se prendeu em um pensamento: eu não tenho mais nada a perder.
– Você... – Diego aproximou ainda mais seu rosto do de seu inimigo – Você me matou, desgraçado! – o homem riu, exibindo seus dentes apodrecidos. Seu hálito era fétido e gelado.
– Agora... você será meu canal! – o homem passou de leve a ponta de seu dedo indicador no rosto de Diego.
– Do que você está falando, seu demônio? Não vou ser nada seu.
– Manuel, deixe-o –, ordenou o enfermeiro que auxiliou Diego.
– Não se preocupe, moleque, eu volto logo! É só o tempo dessezinho aí ser chamado.
Manuel desapareceu mais uma vez em uma cortina de fumaça. Diego suspirou forte, aliviado. O enfermeiro foi auxiliar o rapaz a se levantar, mas o rapaz recusou a ajuda permanecendo no chão. Diego iniciou um choro engasgado.
– Que merda é essa toda que está acontecendo? Quem é esse demônio? Quem é você?
– Diego, tenha um pouco de paciên...
– Paula! – Berrou Diego meio ao pranto.

***

Paula despertou mais uma vez no leito do hospital. Ela viu que seu pai estava ajoelhado na beirada da cama, rezando. Sua concentração era tamanha que ele não percebeu o despertar da filha.
– Papai. – Paula estava com a garganta seca, engolindo a saliva com dificuldade.
– Filha! Graças a Deus, obrigado meu Senhor!
Seu Nestor abraçou sua filha e afagou sua cabeça.
– Papai, onde está o Diego? Eu escutei a voz dele. Ele gritar meu nome.
– Filha, eu preciso te contar uma coisa.
Paula olhou dentro olhos de seu pai, afim de que ele contasse a história que mais a abalaria por toda sua vida.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Capítulo IV - Corredores do Caos

Diego despertara. Ele se viu deitado em um leito de hospital. Ele não conseguia se lembrar de nada do que ocorrera, estava confuso ainda. O rapaz se levantou e caminhou pelos corredores. Era noite já e, estranhamente tudo estava vazio, parecia mais um hospital abandonado. Ele não fazia idéia de quanto tempo estava ali. Não avistou nenhum posto de enfermagem para tomar informação. Ele passou pela porta de um quarto e um vento gélido lhe gelou a espinha. “Entre” –, ele escutou sussurrado em seu ouvido. Diego olhou para trás, uma enfermeira chegou de supetão e abre a porta do lado de dentro saindo do aposento.
– Eu já volto –, disse a enfermeira para alguém no quarto. Ela deixou a porta aberta.
Diego voltou alguns passos e olhou dentro do quarto, tudo que conseguiu ver eram os pés do acamado, mas uma tatuagem peculiar no pé do paciente lhe chamou a atenção, era um beija-flor, a mesma tatuagem de Paula. Levado pelo susto, Diego entrou no quarto de uma só vez e viu sua amada deitada na cama coberta de escoriações e hematomas. 
– Paula! – Exclamou ele.
A mãe de sua namorada estava no quarto em prantos. O ódio dela era tamanho que ela o ignorou por completo. Ele se aproximou da namorada, não conteve as lágrimas. Como uma espécie de ligação intima, a mãe de Paula cai em prantos de maneira copiosa. A mãe afaga os cabelos da menina, alisando, impedindo a aproximação de Diego.
– Dona Carmem, o que está acontecendo?
Carmem ignora o rapaz intensificando o pranto.
– Ei, deixe as suas sozinhas –, disse uma voz atrás dele.
Diego olhou para ver quem era. Um homem vestido todo de branco, aparentemente um médico ou um enfermeiro, lhe encarava. Seu olhar não era reprovador, porém seu semblante era sério.

***

Fazia um tempo que aquele rapaz estava tratando de Diego. O jovem, curioso com os fatos perguntava insistentemente ao homem o que estava acontecendo, no entanto o homem de branco não o respondia. 
– Você é enfermeiro, certo? Pois se fosse médico não estaria trocando meus curativos, não é mesmo? – Silêncio. – Onde está o médico? Quando ele irá vir me contar o que aconteceu comigo? Preciso saber quando terei alta, tenho compromissos a cumprir.
– Diego, escute com atenção – disse o enfermeiro –, você não irá receber nenhum médico e muito menos terá como honrar seus compromissos.
– Como assim?
– Diego, você está morto.
– O quê?
– É isso mesmo, você está morto. – Diego se mostrou perplexo. – Houve um acidente, você, Paula e outro casal estava envolvido. Você sofreu traumatismo craniano e morreu ao dar entrada no hospital.
– Não, você está enganado.
Diego se levantou da cama e saiu do quarto em fulga. O homem de branco não foi atrás dele.
O recém desencarnado, inspirado de angustia, andou pelos corredores do hospital, porém Diego parecia estar em uma dimensão paralela. O local estava aparentemente devastado, com luzes fracas, hora acendia, hora não, às vezes simplesmente tremulavam. As paredes estavam com a pintura gasta, algumas partes sem reboco. A cor verde desbotava dava um ar caótico ao local, mas não tanto quanto as pessoas que habitavam esse hospital. Pacientes em leitos, sofrendo, gritando, clamando por cuidados, alguns pedindo perdão. Certa quantidade deles estavam amarrados na cama, alguns até mesmo amordaçados. Uma paciente em especial chamou a atenção de Diego. Uma garotinha com cerca de 6 anos estava em um quarto deitada na cama, sem a perna direita. A menina tinha seu corpo quase todo queimado. Diego se horrorizou com a visão. A garota respirava com dificuldade, o lençol de sua cama estava coberto de sangue.
Diego olhou para frente querendo evitar assistir mais do sofrimento daquela pequena garota. Ele estava lá, sorrindo no final do corredor. O rapaz olhando para seu algoz, disparou a correr no sentido oposto de onde ele se encontrara, quando ele se virou, trombou em cheio com o vilão, estatelando no chão. O homem aproximou o rosto velho do rosto aterrorizado de Diego.
– Agora estamos no mesmo mundo, moleque!

sábado, 15 de janeiro de 2011

Capítulo III - A Benção da Perdição

Nada nesse mundo é mais assustador do que a solidão. Diego se encontrava nesse estado. Não importa o que dissesse a Paula, ele jamais seria compreendido. O jovem tentou explicar a sua namorada o que acontecera, no entanto o olhar de desapontamento era evidente em sua face, acertando-o como se fosse um soco no estômago. Paula acreditava que Diego estaria surtando do mesmo modo que sua mãe. Estavam dentro do carro em um local chamado Parque do Mirante, o ponto mais alto de Uberaba. Era um grande campo verdejante. A noite chuvosa climatizava aquele momento angustiante.
– Você não acredita em uma palavra do que eu disse, não é?
– Não estou dizendo que você mentiu, Diego, é que... vamos ser realistas, não passamos pela mesma coisa com sua mãe?
– Sim, mas era diferente, Paula, por que... – Diego parou de falar e ficou olhando para fora do carro.
– Diego...? – Ele não respondeu. O rapaz estava atônito. – Você está vendo ele, não está? – Ele meneou a cabeça positivamente.
O fantasma estava parado na frente do carro, olhando para Diego friamente, como se estivesse o estudando há um bom tempo já.
– Vamos sair rápido daqui. – O rapaz deu partida no carro acionou a marcha ré.
– Diego, calma. – Paula segurou a mão dele. – Tente se concentrar, ele vai desaparecer. Controle-se, isso é coisa da sua cabeça.
Sem muitas opções, Diego resolveu ouvir sua namorada. Fechou os olhos, concentrou-se na orientação de Paula, respirou profundamente e inundou seu pensamento com mantras instantâneos do tipo “Isso é fruto de sua imaginação”, ou “ele vai desaparecer”. Diego abriu os olhos.
– Não vai pedir benção para o biza? – A assombração estava com o rosto colado ao dele.
Diego gritou abafado e acelerou o carro, saído em disparada. Paula se segurou o mais firme que pode, pois o caminho era cheio de rochas e terra. O fantasma riu e desapareceu em uma cortina de fumaça, o que deixou Diego mais apavorado ainda. Ele entrou na pista em alta velocidade. Paula olhou para o velocímetro que passava dos 130 Km/h.
– Diego, calma, vai devagar –, pediu ela.
– Não vai pedir benção para o biza?
– O quê? – Perguntou Paula sem entender.
– Foi isso que ele me perguntou, se eu não iria pedir benção para ele. – Paula olha para o velocímetro mais uma vez: 140 Km/h.
– Diego, reduz, por favor.
O rapaz não disse nada, porém atendeu o pedido da namorada. Foi desacelerando o carro até chegar a 80 Km/h. Estavam agora na avenida Leopoldina de Oliveira, em frente ao Mercado Municipal da cidade. Diego parou em um sinaleiro vermelho e, estranhamente, começou a rir. Paula, instantaneamente embarcou na onda do namorado começando a rir também, aliviada pelo fim do susto que passara. As risadas do garoto cessaram no momento que viu bem a frente, cerca de cinqüenta metros, ele. O espírito estava parado no meio da avenida de frente para o carro. Diego acelerou o automóvel disparando contra o espírito, que não moveu um centímetro se quer.
– Morre, filha da puta! – Exclamou o rapaz.
– Diego! – Gritou Paula.
Ele passou pelo fantasma como se fosse uma cortina de poeira.
– Não, é sua vez de morrer! – Disse a assombração, que reapareceu na frente dele entre seu corpo e o vidro dianteiro do carro, investindo uma mordida no pescoço do rapaz do mesmo modo que o fez em seu pesadelo.
Desesperado, Diego tenta controlar o carro e tirar a criatura de seu pescoço, mas parecia ser em vão.
– Cuidado! – Gritou Paula.
Um carro que descia em alta velocidade em uma das ruas que cortam a avenida Leopoldina de Oliveira, bateu em cheio no carro de Diego no lado do motorista.
Por fração de segundos, Paula viu o rosto do seu namorado. Ele estava com os olhos vermelhos, banhados de lágrimas. Não havia tempo para palavras serem proferidas, mas ela sabia que aquilo era um olhar de puro desespero emendado com um pedido de desculpas. Essa foi a ultima cena que Paula veria naquela noite.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Capítulo II - Dentes Putrefados

Paula era uma garota de vinte e cinco anos. Seus longos cabelos lisos e negros, e sua pele alva provocavam um realce perfeito. Era de uma estatura pequena, media cerca de ume metro e sessenta centímetros. Ela não era apenas namorada de Diego, mas sim sua única amiga.
A jovem chegou na casa do seu namorado através de sua moto Biz. Mesmo sendo uma motocicleta de baixa potência, ela levou menos de dez minutos até seu destino. Como costumeiro, ela buzinou três vezes para Diego saber que havia chegado. Rapidamente ele abriu a portão e Paula entrou com sua moto. Ela retirou o capacete rosa e o olhou assustada.
– O que aconteceu? – Perguntou aflita.
– Eu não sei se é paranóia minha, mas você precisa ver algo.
Diego a puxou para dentro de casa, passando pela sala e chegando no quarto de sua mãe. O sobretudo estava estirado na cama.
– Veja.
– Ver o que, Diego?
– Esse sobretudo.
– O que tem ele?
– Você não lembra? Dos sonhos que eu te contei, dos tormentos de minha mãe?
– Sim, um homem que usava um sobretudo como esse. Mas o que você está insinuando? Que esse sobretudo seria do fantasma?
– É... mais ou menos isso.
– Ah Diego, por favor, você é mais esperto do que isso! – Zombou Paula.
– Minha mãe jamais usaria uma roupa dessa. E além do mais, eu nunca vi isso no guarda-roupa dela. Paula, por muitas vezes eu abri esse guarda-roupa para guardar as roupas dela e esse troço nunca esteve lá.
– Bem, ele poderia estar guardado em outro lugar e sua mãe o guardou ali recentemente. Essa roupa é velha, Diego – Paula apanhou o casaco –, pode ser do seu avô ou até mesmo do teu pai. Na pior das hipóteses, sua mãe poderia estar saindo com alguém e não quis te contar. Por que não?
– Não sei Paula. Você pode estar certa, na verdade provavelmente está. Bem, prefiro que esteja! Mas de todo modo não deixa de ser assustador.
– Deixa de besteira, amor! – Paula se aproximou dele –, assustador é você que até agora não me deu um beijinho se quer.

***

2:35 da manhã. Diego acorda sobressaltado por mais um dos pesadelos, porém esse foi diferente. Ele sentiu que algo o impedia de despertar. Diego tinha ciência de que era um sonho, no entanto era impossível se desprender dele. Tentava a todo custo, mas seu corpo não obedecia. Em seu sonho, Diego estava caído ao chão, sem forças por tanto correr dele, ele se aproximou de Diego e disse: “Você é mais um deles, pagará também”. A assombração abriu a boca e mordeu o pescoço de Diego dilacerando a carne como um leão feroz.
Diego sentou-se na beirada da cama. Ele olhou para Paula, ela dormia profundamente. O jovem foi até o banheiro para molhar a cabeça como de costume. Olhou no espelho e se assustou quando viu um hematoma na região em que o ele havia mordido no sonho. O rapaz correu de volta para o quarto, gritando pelo nome de Paula no caminho, que acordou assustada com os gritos do namorado.
– O que, o que foi? – Falou sentando na cama.
– Olha isso. – Disse ele mostrando o hematoma a ela.
– O que é isso? Está parecendo mais um machucado. Acende a luz, deixa eu ver direito.
Diego foi em direção ao interruptor e acendeu a luz, quando se virou, o rapaz se deparou com seu pior pesadelo, era ele! Diego emitiu um grito abafado e caiu no chão. A assombração não desapareceu.
– O que aconteceu Diego? – Era evidente que Paula não via ele.
– É Diego, diga a ela o que vê. – O pobre rapaz engatinhava de costas, mas a parede o impediu que continuasse.
– O que quer de mim, demônio? – Paula saiu da cama assustada e foi acudir o namorado. – Não se aproxima Paula, fica aí –, berrou ele. O fantasma riu medonhamente, expondo seus dentes putrefados.
Diego, pelo amor de Deus, fala comigo! – Implorava Paula. O obsessor olhou para frente e logo seu sorriso monstruoso desapareceu de seu rosto.
– Sua sorte é que eles estão vindo, mas eu voltarei para te buscar, moleque!
O fantasma correu em direção Diego, que tentou bloquear o encontrão com as mãos, mas o espírito desapareceu quando se chocou com o rapaz.
Diego abriu os olhos, apalpou seu corpo como se estivesse conferindo se tudo estava lá. Paula ignorou a ordem do namorado e foi acudi-lo.
– Pelo amor de Deus, me diga o que está acontecendo, Diego. – Ela o ajudava a levantar.
– Calma, eu te conto, mas vamos sair dessa casa.
– Mas Diego...
– Agora Paula! – Berrou ele.
Assustada, Paula obedece Diego sem retrucar. Ela nunca o havia visto daquele modo, jamais assistira uma cena tão desesperadora em toda sua vida. Ele esperou a namorada vestir sua roupa, pegou a chave do carro, um casaco e fechou a porta da casa. Diego estava apavorado, tudo que queria era sair dali.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Capítulo I - Destroços da Sanidade

Diego era um jovem de vinte e seis anos. Ele tinha a musculatura de seu corpo definida devido ao seu trabalho. Dono de uma serralheria, o rapaz não se prendia apenas a serviços do escritório, mas também gostava do serviço braçal. Seus cabelos castanhos claros curtíssimos, raspado na maquia número 2 e sua barba por fazer, davam um aspécto mais velho do que ele realmente era. Diego que nunca conhecera o pai, era filho único de Clara. Há cerca de oito meses teve que fatidicamente interná-la no Sanatório Espírita de Uberaba.
A noite estava quente na cidade mineira. Diego estava de frente para a TV, olhava para o televisor, porém ele não assistia nada. Seu fitar preso ao nada deixava claro sua alienação ao seu envolto. Com as lembranças de seus últimos momentos com sua mãe em casa, Diego sente a amargura do sentimento de impotência perante a doença dela. Ele tentava de todas as formas encontrar algo que pudesse justificar esse impasse mental, algo que pudesse curá-la, de certo modo... miraculosamente.
Banhado pelo sentimento de saudade, Diego vai até o quarto de sua mãe pela primeira vez desde "aquele dia". O quarto estava em total desordem. Roupas jogadas pelo chão, uma pequena mesa onde ficava a TV estava caída, logo a frente estava o televisor preso pelo fio elétrico que não saiu da tomada. Um porta-retrato de Clara e Diego abraçados estava caído também. Seu vidro estava quebrado e a foto machucada pelas pisadas que levara. Ele sentou na beirada da cama segurando aquele retrato e sentiu um pesar muito forte. Uma tristeza sem tamanho o acometeu. A vontade de chorar veio a tona, mas ele se conteve. Diego prometera que não choraria mais por isso. Sabia que sua mãe estava doente, era tudo questão de tempo até ela se recuperar.
–É, já está na hora d’eu arrumar este quarto – disse ao vento.
Ele começou a recolher as roupas caídas no chão, ergueu a mesinha e colocou o pequeno televisor de 14’’ em cima dela. À medida que ia arrumando o aposento, lembranças de como o local ficou naquele estado lhe viam à mente. Uma briga entre Diego e Clara. Eles se ofenderam, ela não queria ser internada, dizia que via e escutava ele, que ele prometeu vingança.
Ele... segundo Clara, era o responsável pela desgraça que sempre abateu sua família. Que esse ele foi um inimigo do passado e só terá descanso quando destruir todosos mebros dessa  família. Um homem desconhecido usando chapéu e roupão preto, lembrando um acoitador em um filme de terror de segunda. Diego nunca viu, sentiu ou ouviu algo, apenas sonhou com ele algumas vezes, mas acreditava que isso era reflexo da paranóia de sua mãe. Sendo um rapaz completamente cético, Diego não acreditava em espíritos, maldições, fantasmas ou qualquer outra coisa que seria tachada de... sobrenatural. Não chegava a ser ateu, acreditava em algo superior. O Deus que Diego idealizava era diferente de qualquer padrão religioso existente. Era uma crença peculiar, desprendida de dogmas e referências literárias, diferente de sua mãe que era católica não praticante.
Clara apresenta um quadro clínico de esquizofrenia, paranóia e também síndrome do auto-extermínio. Desde que Diego possa se lembrar, sua mãe era dada como louca pela vizinhança. A chamaram de macumbeira, bruxa, satanista; adjetivos ofensivos à qualquer um. Clara nunca deu muito ouvidos a esses títulos, porém Diego sempre foi zombado e apontado em seu grupo de colegas como “O Filho da Louca”, “O Sem Pai”, “Filho do Capeta” dentre vários outros apelidos. Ele não tinha primos, tios nem avós. O que sabia era que sua avó morreu no parto de sua mãe e seu avô morreu de cirrose antes mesmo dele nascer.
O rapaz abriu o guarda-roupa da mãe afim de guardar as roupas que arrumara e viu um casaco que lhe chamou a atenção: um sobretudo preto. No mesmo momento que ele viu o casaco, uma ligação da roupa ao tal espírito que já sonhara algumas vezes lhe fez gelar a espinha. Ele coloca as roupas cuidadosamente no chão sem tirar os olhos do grande casaco e, em seguida, o retira do guarda-roupa. Definitivamente era o mesmo sobretudo. Ele procurou nos bolsos qualquer coisa que o levasse a entender o surgimento da roupa, mas foi em vão. Diego retira o celular do bolso, preciona três botões e leva o aparelho ao ouvido.
– Oi... – respondeu ele secamente a saudação da pessoa do outro lado da linha –, você pode vir aqui em casa agora? – Um breve silêncio. – Ok.
Diego desligou o telefone e o guarda no bolso. Ele não conseguia parar de olhar para o sobretudo. O rapaz estava aterrorizado.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Prelúdio

Diego caminhava pelo vale de cascalho. A geografia descampada do local deixava o vento cortante se chocar contra o corpo do jovem que tremia não apenas pelo frio, mas também pelo medo avassalador do desconhecido. A única luminosidade era da lua cheia que banhava aquele momento desgraçado.
– Mãe –, chamava Diego insistentemente.
Ele fez uma curva e avistou ao longe uma banheira. O rapaz se aproximou do grande objeto de louça branca, ele estava cheio de uma água escura de aparência suja. No fundo ele via que ali pousava um corpo inerte. Diego aproximou o rosto do indigente na tentativa de reconhecê-lo. O corpo abriu os olhos e saiu da água puxando-o para dentro da banheira. Já dentro da água completamente aterrorizado, o jovem fita seu algoz e se espanta ao ver que era sua mãe. Seu rosto era disforme, pútrido. Seus olhos eram duas orbes brancas translúcidas e seus dentes eram podres e pontiagudos. Os longos cabelos da mãe engalfinhavam no rosto do filho, sua feição era de prazer com o desespero de sua criança. A mãe-demônio segurou a cabeça do rapaz pelo cabelo e mordeu seu pescoço. Ele berra, mas a água abafa o som, permitindo apenas bolhas de ar saírem de sua boca.
Diego abre os olhos em junção a um pequeno salto, expondo seu pavor por aquele terrível pesadelo.
– Mais uma vez...
Sentou-se na beirada da cama esfregando o rosto com as mãos, aflito pelo terrível sonho. Ele se levantou e foi até o banheiro, colocando a cabeça de baixo da torneira e deixando a água cair. Estava com os olhos cerrados e, a medida em que a água descia pela sua cabeça, Diego tinha flashs do pesadelo que tivera. Ele fechou a torneira e olhou para seu relógio de pulso: 02:35 da manhã. Ainda faltava muito para amanhecer. O rapaz se olhou no espelho e encarou-se.
– Que merda está acontecendo comigo? – Se perguntou retoricamente.

Argumento

O que é o Projeto 53:
Sobre a crônica: 53 é uma história (ou diria estória?) de terror repleta de misterios e sustos. Diego, um jovem perturbado por um espírito obsessor (espírito de más intenções), acredita que sua família seja amaldiçoada e, para se livrar desse carma, Diego irá atrás do verdadeiro passado de seus antecessores, no entanto forças além da natureza "comum" irão tentar impedi-lo a todo custo.
Sobre o projeto aberto 53: projeto aberto é a definição de um livro, conto, fábula e derivados, publicado sem fins lucrativos. Escolhi a Internet pela fácil acessibilidade à todos. Todas segundas-feiras, irei postar aqui um capítulo da história. Pode ocorrer d’eu postar algo no meio da semana, então fiquem de olho!
Boa leitura a todos!
Dooll Silverd