domingo, 27 de fevereiro de 2011

Bridge - Obviedade da Dor


Paula caminhava de um lado para o outro na recepção do laboratório. Um exame de Beta HCG confirmaria sua gravidez. Laís estava junto à sobrinha. Não quis deixar a garota desamparada em uma situação daquelas. Paula pensava nos últimos acontecimentos antes de Diego morrer. Ele sonhara com o Coronel por cinco noites seguidas antes do acidente. Cinco noites. Esse era o tempo que teria para impedir Manuel. Uma recepcionista do laboratório havia sorrido para Paula.
– O resultado do seu exame chegou! – Disse a moça com um sorriso amigável.
Paula foi até ela pegar o resultado do exame. Laís ficou de pé segurando as mão, aflita. Paula corria os olhos no papel timbrado, colocou a mão na boca na menção de surpresa.
– Eu estou grávida –, balbuciou à tia.
– Filha, fique calma, tudo que temos até agora são suposições, não se apegue a elas. Esse filho pode significar muita coisa.
– Sim tia, significa. Significa que eu tenho mais quatro noites agora.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Capítulo VIII - Lástimas (Parte 2)


Coronel Manuel Joaquim.
Mesmo a Lei Áurea ter sido assinada em 1888, até meados da década de 50 ainda existia escravidão em Uberaba. Coronel Manuel era um que usufruía do direito banido. Senhor de uma vasta plantação de café, ele tinha uma grande quantidade de escravos em suas fazendas. Viúvo, ele esbanjava sua fortuna financiando festas repletas de álcool e prostituição. Ele não poupava seus três filhos: Humberto, Sebastião e Maria (em ordem de mais velho para o mais novo) das cenas grotescas e burlescas.
Os filhos sabiam da crueldade do pai. Com uma espécie de prazer interior, ele tratava seus escravos como animais. Não pestanejava em os torturar até a morte. Criou muitos inimigos ao decorrer dos anos. Pessoas na cidade diziam que Coronel Manuel registrava terras em seu nome, enxotava os moradores dali e se declarava dono. Um usurpador.
Maria, sua filha mais nova, tinha dois sentimentos latentes dentro de si: o temor pelo pai; e a paixão por Jair, um escravo da fazenda. Eles viviam um romance escondido, porém algo aconteceu, Maria engravidou.
Coronel Joaquim surrou o escravo até a morte. Dilacerou sua carne e deu para os cães da fazenda comerem. Sua filha foi trancafiada em seu próprio quarto. Tijolos foram colocados em portas e janelas, a única entrada era um pequeno vão para passar comida. O pai havia informado a todos que a menina só sairia de lá quando o bebê nascesse.
Maria teve o filho no quarto, sozinha, então o pai cumpriu sua promessa, mandou derrubar a parede de tijolos. Pela primeira vez em seis meses Maria viu a luz do sol. Momento em que ela chorou como uma criança. De forma fria e estúpida, Coronel Manuel retirou a criança dos braços da mãe. Maria nunca mais viu o filho. Coronel Manuel levou a criança até a casa de uma senhora que se dizia bruxa e lá ele sacrificou o bebê em troca de mais poder e fortuna, mas as coisas saíram de seu controle.
Algo estava cobrando de Manuel Joaquim todos seus pecados.
Maria cometera suicídio e, os filhos homens, do Coronel, vendo a que nível que a inescrupulosidade do pai chegou, resolveram interná-lo no Asilo para Loucos Doutor Paulo Lacerda.
Em 1951 Coronel Manuel cometeu suicídio, mas jurou vingança, prometeu destruir todos aqueles que fossem descendentes de seu sangue.
Em 1953, um incêndio na casa de Humberto teve como vitimas fatais sua esposa e seus três filhos. Dois meses depois Humberto se matou com um tiro na boca. Ele dizia ao irmão Sebastião que fora seu pai que provocara tudo aquilo, que fora ele havia assassinado sua família.
1954 Sebastião se casa com Graça, mas ela morreu no nascimento de Clara. Sebastião, que também dizia ver o pai morreu em 1976 de cirrose.
Clara era a única restante, mas ela teve um filho também: Diego. Manuel Joaquim veio atrás dos dois. Ele colocou Clara em um sanatório igual fizeram com ele e assassinou Diego.

***

– Tia, eu não sei se o Coronel vai vir atrás de mim agora por eu ter tido um relacionamento com Diego. A senhora acha isso possível?
– Filha, se formos seguir por essa linha de raciocínio, só existiria uma única explicação para ele vir atrás de você.
– E qual seria?
– Você estar esperando um filho de Diego.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Capítulo VIII - Lástimas (Parte 1)

Paula fecha o diário de Sebastião. Com um olhar atônito, ela finta o nada, tentando assimilar tudo que foi lido. Foram quase duas horas intensas de uma leitura compulsiva. Sem conseguir se prender ao tangível, a moça anda pelo cômodo de um lado para o outro.
– Meu Deus ...– sussurrava ela insistentemente –, ele  conseguiu, ele destruiu todos eles... Todos!
Do outro lado do quarto Diego estava encostado no batente da porta, ainda atônito com a revelação. Coronel Manuel Joaquim realmente fora um demônio encarnado, mas o que mais impressionava Diego não era sua maldade inescrupulosa, mas sim o fato do Coronel ser sangue de seu sangue. Manuel Joaquim fora bisavô de Diego.

***

Era tarde da noite quando Paula acordou em meio sonhos ruins. Ela não sonhara com Diego, mas pela primeira vez ela sonhou com ele, o Coronel. Assustada e conhecedora da sucessão dos fatos, Paula decide por um basta nisso antes mesmo de começar. Não deixaria que aquele monstro a levasse como fez com seu namorado e toda sua família.

***

No entardecer do dia seguinte, Paula decidiu procurar sua tia Laís, uma médium psicofônica¹. A jovem nunca acreditou muito em espíritos, fantasmas e coisas do gênero, mas mediante aos últimos fatos, não haveria muito mais para “onde correr”.
Três batidas na porta.
– Tia Laís, sou eu, Paula.
– Oi filha! Vamos entrar! – convidou a senhora abrindo o portão para a garota.
Paula passou pela varanda da casa. Um cachorro da raça Pastor-Alemão rosnou para ela.
– Turon, deixe de ser grosso com as visitas. – Laís Reprimiu o cão, que abaixou as orelhas e choramingou baixinho. Elas seguiram até a sala e acomodaram-se no sofá. – Que visita inesperada filha, mas fico feliz de estar aqui.
– Faz muito tempo que não nos vemos, não é tia Laís.
– Ah, faz sim. Se não me engano foi no aniversário de sua mãe, um ano tem isso quase?
– Por aí tia – Paula passou a mão no cabelo trazendo para trás da orelha.
– Está agoniada filha, o que houve?
– Tia, a senhora soube o que aconteceu meu namorado, Diego?
– Sim filha, eu soube pela sua mãe. Eu até fui visitá-la no hospital quando estava em coma, não gosto nem de lembrar. Minhas condolências, Paula, deve está sendo muito difícil pra você. – A velha senhora demonstrou pena pela sobrinha.
– Obrigada tia. A senhora já deve imaginar o por quê eu estou aqui, não é?
– Não –, Laís meneou a cabeça negativamente.
– Eu gostaria de saber de existe um meio de comunicar com ele.
– Olha filha, é muito cedo para isso. Principalmente mediante as condições que ele desencarnou.
– Mas eu tenho sentido a presença dele, tia. – Diego, que até agora apenas acompanhava Paula, assustou com a declaração da namorada. Ele a fitou espantado. – Eu sinto ele se aproximar de mim, me tocar, sinto o cheiro dele. – Paula engolia o choro, porém uma lágrima escapou pelo seu olho esquerdo.
– Criança... isso pode ser saudade.
– Não, não é, eu estou aqui! – Exclamou o rapaz.
– E como isso é possível? Eu ter tanta certeza dele estar comigo?
– Sabe, analisando bem, existe sim uma possibilidade dele estar lhe acompanhando, mesmo cedo assim. Na verdade... duas possibilidades.
– E quais seriam elas, tia?
– Se Diego desencarnou e recusou a aceitar ajuda dos irmãos superiores que vieram acolhe-lo, ou...
– Ou...?
– Ou se Diego estiver se empenhando no mal. Se ele estiver em busca de vingança por alguém ainda encarnado.
– Tia, eu não sei se é vingança por alguém especificamente encarnado, mas existe uma história que assola a família dele. Envolve muita coisa.
– Então conte-me, minha filha. Quem sabe eu posso lhe ajudar.

 
***X***

1 - Médium psicofônico: Médium que incorpora espíritos desencarnados e também em desdobramento.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Bridge - Infernum

O inferno pode ser chamado de diversos modos: Vale da Sombra da Morte, Sheol, Poço Sem Fundo, Gehenna, Sekishiki... Umbral. Em verdade o inferno é feito daquilo que mais nos assombra. Se você teme insetos, viverá em um esgoto. Se temes doenças, seu inferno será repleto de lepra e câncer. O verdadeiro pavor é formado pela podridão que mais lhe agride, forçando-o a uma realidade póstuma utópica.
Inferno.
Ser alguém ruim em vida só tem um caminho: a decadência. Não apenas a moral, enquanto vida, mas também a decadência espiritual. Seu mártir perpetuará até o dia que você provar arrependimento dos teus atos nefastos, e voltar-se ao caminho do bem novamente – ou inicialmente, dependendo do ser em questão.
Coronel Manuel Joaquim não foi um bom homem enquanto vida. Agora, desencarnado, muito menos é. Espalhou a dor e a tristeza. Fez muitos sofrerem. Chegou ao nível mais alto da luxuria e arrogância. Era uma fusão perigosa de poder e dinheiro com frieza e ambição.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Capítulo VII - Ponte dos Desejos Perdidos

Ele poderia ser daquele modo para todo sempre. Paula estaria submissa as suas vontades. Diego nunca sentiu tamanha influência sob qualquer outro ou em qualquer circunstância em todo tempo que teve de vida. Seu único problema era quando não estivesse ao seu lado. E se ela encontrasse outra pessoa? Se Paula quisesse seguir em frente e esquecer de Diego? Não! Ele não poderia permitir isso. Paula era sua única chance de saber o porquê daquilo tudo. Quem era esse tal Manuel? Por que ele teria feito isso? Eu tenho medo é dos vivos –, sempre dizia ele, no entanto Diego foi assassinado por um fantasma. Quantas pessoas provavelmente morrem nessas circunstâncias? Aquele infeliz havia provocado aquele acidente? Resposta que ninguém tinha.
O jovem caminhou pelos corredores do hospital. Como ele odiava aquele lugar. Tudo ali era a mais pura e desesperadora expressão do caos morte. Pessoas – ou almas propriamente dizendo – sofriam em abundância. O local de arquitetura devastada, possuía um ambiente mais horripilante do que qualquer cena jamais vista pelo rapaz. Houve vezes que Diego teve de correr de pacientes que acreditavam que ele fosse um médico ruim. O jovem parou de se aventurar em quartos e em corredores muito escuros por esta razão.
Seres de formas medonhas e bizarras.
Eram monstros de um filme de terror que se materializaram neste local.
Hospital da Morte, era como Diego o chamava. Existia um lugar, um local que Diego sentia um medo crescente toda vez que passava por lá, o corredor dos gritos. Berros de dor de pessoas: mulheres, homens crianças e qualquer outra forma de ser gritava ali. Toda vez que Diego quisesse sair do Hospital da Morte, ele tinha que passar pelo corredor dos gritos. O rapaz fechava os olhos e corria em direção a porta de saída. Entrar e sair do Hospital da Morte era uma tarefa tenebrosa... mórbida. Teria que compensar muito para tal façanha.
Há algum tempo o jovem desencarnado procurava por Sebastião, o homem que o entregou a realidade de morto. Diego queria saber mais sobre sua vida póstuma, do que mais poderia tirar proveito. Algumas das coisas que ouviu enquanto vivo eram realmente verdadeiras, outras não. Mas o que mais lhe agradava era o fato de poder estar onde quisesse quando quisesse. Bastasse ter um médium para doar fluídos e PAM!, Diego o acompanhava e ia ao destino desejado. Ele sempre desejou conhecer a Ponte de São Francisco, em New Orleans. Ele se encantava quanto sua construção; sua ambientação. Agora não era o momento para isso, além do mais, Diego tinha coisas mais importantes para resolver agora: quem era ele.

***

Paula, vendo que Clara não podia a ajudar muito deixava o sanatório com um pensamento de derrota; fracasso, mas suas intenções foram salvas quando a enfermeira que lhe indicou o quarto de Clara correu até ela e pediu para que ela esperasse, pois a mãe de seu namorado estava lhe chamando de volta.

***

– Diego não foi de todo mal – falava a mãe –, porém ele sempre me hostilizou por eu ser médium. Eu vejo, escuto, converso com gente morta. Eu não estou louca, este definitivamente não é meu lugar. Por favor, Paula, você me conhece, eu não sou louca! Me tira daqui!– Clara não parecia a mesma pessoa com que Paula falou nos últimos quinze minutos atrás. Ela estava mais calma, conciente da realidade.
– Dona Clara, eu entendo suas concepções sobre mediunidade, sou espírita também e acredito na senhora, mas eu não posso ajudá-la. Isso depende do doutor Arruda, se eu pudesse eu ajudaria, acredite.
– Se eu te ajudar, você promete fazer de tudo para me tirar daqui? – Paula, ficou estática observando a mulher.
–  Sim, eu prometo fazer o possível para ajudar a senhora.
Clara sorriu.
Vá até meu quarto, em minha casa. Dentro de meu guarda-roupa procure por um sobretudo. Olhe em um dos seus bolsos e encontrará uma chave. Escondido de baixo do guarda-roupa tem uma mala velha de viagem de couro marrom. Ela está trancada. Abra a mala com essa chave. Lá você encontrará as respostas que procura.
– Certo! Dona Clara, muito obrigada!
– Obrigada? - Clara já possuía o mesmo olhar insano de antes –. Você não está entendendo filha, quando você abrir essa mala, sua vida irá mudar. Eles lhe perseguiram até o dia de sua morte. Não haverá volta. Seu destino será o mesmo de Diego ou o do meu!

***

Paula estava de frente para a maleta marrom. O sobretudo estava em cima da cama de Clara, debaixo da maleta de viagem. A garota que antes pestanejava, tomada de um grande impulso, abriu a maleta.
– Isso, meu amor! É isso mesmo! – Disse Diego aos ouvidos da namorada viva.